Rondônia
Traumas na infância podem ter levado adolescentes a cometer assassinatos em RO, dizem especialistas
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Adolescentes e crianças que passaram por algum trauma no meio em que viviam, assim como abusos físicos ou psicológicos durante a infância podem vir a cometer crimes violentos, segundo especialistas ouvidos pelo G1. Nos últimos 15 dias, dois casos de assassinatos foram cometidos por adolescentes.
Os motivos que levam a uma violência extrema nesse período, por exemplo, estão ligados aos chamados “fatores epigenéticos”.
“Ou seja, tem o envolvimento do meio ambiente onde a criança vive, a maneira como ela é criada, se ela tem uma família estruturada ou não, se tem acesso a educação, a alimentação, aos cuidados básicos de higiene e, principalmente, o apoio e a atenção afetiva”, explica o psiquiatra Robinson Yaluzan, vice presidente do Conselho Regional de Medicina de Rondônia (Cremero).
Apesar disso, caso o quadro mental da criança ou do adolescente seja avaliado como transtorno de conduta, ainda de acordo com o psiquiatra, o problema possui chances de ser revertido na idade adulta “se essa criança for inserida em um ambiente mais saudável no sentido mental e psicológico”.
“Alguns ramos da psicologia consideram que o transtorno pode ser adquirido por meio de traumas, principalmente na infância”, disse Sérgio Kodato, doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, da Universidade de São Paulo (USP).
Para o especialista em terapia cognitiva comportamental Pedro Paulo Vieira, de Brasília, em um ambiente fomentado de violência, onde há indícios de vulnerabilidade social, a saúde mental corre risco de ser mais baixa. “São sintomas de uma realidade”, menciona.
Já o psicólogo Clínico Antônio Gurgel Neto diz que uma justificativa para crimes violentos cometidos por crianças e adolescentes pode envolver o aspecto genético. “Esse tipo de quadro, esse tipo de patologia pode ter um aspecto hereditário, genético e certamente que tem um componente social, um componente do meio da criação, da estimulação”, explica.
Crimes hediondos
No fim de outubro, o assassinato de mãe e filho dentro de um loteamento de Porto Velho chocou a população pela brutalidade. Mais ainda pelo fato de ser sido supostamente executado pela irmã e tia das vítimas, de apenas 13 anos.
Segundo a polícia, a menina não demonstrou arrependimento pelo duplo homicídio sob alegação de que “era maltratada”.
Loteamento onde Fabiana e Gustavo foram encontrados mortos em Porto Velho. — Foto: Diêgo Holanda/G1
Outro crime que aconteceu no mesmo período também teria sido cometido por uma menina de 13 anos e uma adolescente de 17 anos.
Conforme as investigações, a mais nova disse à polícia que matou um homem a golpes de faca em Ji-Paraná (RO) com a intenção de roubar objetos da casa dele. Inicialmente, a menina teria informado que matou a vítima por ter sido abusada sexualmente.
Os especialistas ressaltam que não é possível diagnosticar se uma criança ou adolescente tem algum transtorno mental sem qualquer avaliação direta do caso específico e de forma detalhada. Além disso, não podem ser diagnosticados com psicopatia, que é um transtorno grave de personalidade só determinado pelos médicos após os 18 anos.
“O cérebro da criança e do adolescente não está formado. Existe uma neuroplastia que está em formação. Esse lobo pré-frontal, que ele é desenvolvido no adulto, ele na criança ainda não é desenvolvido e na adolescência também não. Esse lobo pré-frontal é o que nos faz ter limites entre a razão e a emoção, entre o certo e o errado. Não posso caracterizar como um transtorno de personalidade”, reforça Robinson Yaluzan.
Conforme Yaluzan, crimes hediondos cometidos nessas idades muitas vezes envolvem o que o psiquiatra indica como “fatores orgânicos” (uso de substâncias que levam a alteração do sensório) ou a exposição para violência física ou emocional constante.
“Ou, finalmente, são crianças que ainda não têm uma formação, uma base moral e psicológica e como o cérebro ainda não está formado adequadamente, acabam agindo de forma violenta e impulsiva”, ressalta.
(Os crimes exemplificados nesta reportagem não foram avaliados pelos especialistas citados. Apenas uma avaliação específica poderia revelar qualquer diagnóstico).
Sinal de alerta
De acordo com Yaluzan, o primeiro sinal de alerta que pais ou responsáveis precisam ficar atentos se deve a agitação psicomotora dessa criança ou adolescente.
Ou seja, se vivem isoladas, que não se relacionam com outras pessoas ou que usam as redes sociais para expor situações que remetem à depressão, por exemplo. “São crianças que devem ser encaminhadas ao atendimento médico”, reforça.
O psiquiatra explica que deve ser feito o primeiro atendimento com um pediatra ou o médico de família em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde será feita a avaliação inicial. Caso esse paciente demonstre sinais que fogem “do natural para aquela faixa etária”, é encaminhado a um psiquiatra e psicólogo, onde será feito o tratamento adequado.
“É avaliar o caso de forma individual, de forma abrangente tanto no âmbito psicológico quanto no psiquiátrico. Verificar a necessidade de apoio multiprofissional, não apenas os profissionais médicos, mas outros terapeutas, como a terapia ocupacional, enfermeiros, psicopedagogos, a própria família deve estar inserida nesse processo, e nisso a gente monta o que chamamos de plano terapêutico, que deve ser individualizado de caso para caso”, diz.